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Mais que Moore

Por: Julio Cesar de Oliveira
Por: Julio Cesar de Oliveira

18 de fevereiro de 2024

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Introdução

À medida que a tecnologia avança, a demanda por soluções em semicondutores que vão além da simples miniaturização (More Moore) está crescendo. A abordagem More than Moore surge como uma resposta a esse desafio, impulsionando a inovação em novas direções e ampliando os horizontes da tecnologia de semicondutores.

Os semicondutores têm desempenhado um papel fundamental na evolução da sociedade moderna, impulsionando o avanço de dispositivos eletrônicos em todas as esferas da vida. No entanto, a tradicional abordagem focada na miniaturização dos componentes, conforme previsto pela Lei de Moore, está atingindo seus limites. É nesse contexto que surge a abordagem More than Moore, que busca explorar novos caminhos para a inovação em semicondutores, indo além dos conceitos de miniaturização e adensamento.

Ao adotar a abordagem More than Moore, os fabricantes de semicondutores estão explorando novos materiais, arquiteturas e técnicas de fabricação para criar dispositivos mais versáteis e multifuncionais. Essa abordagem abre novas possibilidades para a criação de chips que não apenas processam dados, mas também interagem com o ambiente ao seu redor, seja por meio de sensores integrados, sistemas de visão computacional ou interfaces de interação homem-máquina. Essa abordagem está redefinindo não apenas o que os semicondutores podem fazer, mas também como eles são fabricados e integrados em produtos finais. À medida que avançamos para um futuro cada vez mais interconectado e orientado pela tecnologia, o conceito More than Moore promete desempenhar um papel central na condução da próxima onda de inovação e transformação digital.

A lei de Moore: uma lei física ou econômica?

Gordon Moore faleceu em 24 de março de 2023, aos 94 anos. Ele foi um engenheiro e empresário americano, cofundador da Intel Corporation e autor da famosa Lei de Moore, que propõe que o número de transistores em um circuito integrado dobra a cada dois anos, enquanto o custo por transistor diminui pela metade.

A Lei de Moore não é uma lei física no mesmo sentido que a Lei da Gravitação Universal, por exemplo. Ela não se baseia em princípios físicos fundamentais da natureza, mas sim em uma observação empírica do ritmo de desenvolvimento da indústria de semicondutores ao longo do tempo.

Embora a Lei de Moore tenha se mostrado extremamente precisa por décadas, ela não é uma lei imutável. É mais preciso considerá-la como uma tendência tecnológica impulsionada por diversos fatores, como:

Inovações tecnológicas: O desenvolvimento de novas técnicas de fabricação e materiais possibilitou a miniaturização constante dos transistores.

Economia de escala: A produção em massa de chips contribuiu para a redução do custo por transistor.

Demanda por maior poder de processamento: A crescente demanda por dispositivos eletrônicos mais potentes e eficientes incentivou a indústria a continuar miniaturizando os transistores.

Portanto, a Lei de Moore possui uma natureza mais econômica do que física. Ela reflete a relação entre o investimento em pesquisa e desenvolvimento, as inovações tecnológicas e a demanda por produtos cada vez mais poderosos em poder de processamento e acessíveis economicamente.

É importante destacar que, embora a Lei de Moore tenha guiado a indústria de semicondutores por décadas, existem desafios enormes para mantê-la viva. Isso se deve a diversos desafios que serão discutidos agora.

Miniaturização física: À medida que os transistores e outros componentes dos chips de silício se tornam cada vez menores, os fabricantes enfrentam desafios significativos relacionados à miniaturização física. Esses desafios incluem o limite atômico, onde os componentes eletrônicos se aproximam do tamanho de átomos individuais, tornando difícil a manutenção do controle sobre seu comportamento.

Custos de fabricação: O processo de miniaturização requer investimentos maciços em pesquisa e desenvolvimento, bem como em instalações de fabricação altamente avançadas e caras. À medida que os chips se tornam mais complexos e os custos de fabricação aumentam, os retornos financeiros sobre esses investimentos podem diminuir, tornando menos viável manter o ritmo atual de miniaturização.

Energia e dissipação de calor: Chips mais densos e com mais transistores tendem a consumir mais energia e gerar mais calor. Isso pode levar a problemas de dissipação de calor, reduzindo a eficiência energética e aumentando os desafios de resfriamento nos dispositivos eletrônicos, especialmente em dispositivos portáteis e móveis.

Avanços na física: A miniaturização contínua dos componentes eletrônicos pode eventualmente encontrar limitações físicas impostas pelas leis da física, como efeitos quânticos e interferência eletromagnética. Esses fenômenos podem afetar negativamente o desempenho e a confiabilidade dos dispositivos eletrônicos em escalas muito pequenas.

Inovação tecnológica alternativa: Além da miniaturização, há uma crescente necessidade de inovação em outras áreas da tecnologia de semicondutores, como materiais alternativos, arquiteturas de dispositivos e técnicas de fabricação. O desenvolvimento dessas áreas pode oferecer novas oportunidades de avanço tecnológico que podem não depender diretamente da miniaturização de componentes.

Mais que Moore: Diversificando os Avanços Tecnológicos em Semicondutores

A Lei de Moore, que prevê a duplicação do número de transistores em um circuito integrado a cada dois anos, impulsionou um progresso tecnológico exponencial nas últimas décadas. No entanto, essa Lei enfrenta desafios que limitam sua aplicação contínua como único indicador de progresso.

Mais que Moore (More than Moore) surge como um paradigma inovador que busca diversificar os avanços tecnológicos em semicondutores, indo além da mera miniaturização de transistores. Essa abordagem abrangente integra diversas tecnologias em um único chip, criando dispositivos multifuncionais com capacidades inimagináveis até então. Apesar de ser uma abordagem relativamente nova para o público em geral essa abordagem já corresponde a um terço do mercado de semicondutores.

Segmentação do setor de semicondutores em 2022

(Overview of the Semiconductor Devices Industry 2023)

https://www.yolegroup.com/product/report/overview-of-the-semiconductor-devices-industry-2023/

O que o Mais que Moore oferece:

Integração de diferentes tecnologias: Sensores, MEMS (sistemas microeletromecânicos), fotônica e outras tecnologias se unem ao silício para dar vida a chips inteligentes e adaptáveis.

Ampliação das aplicações: O Mais que Moore abre portas para uma gama de aplicações inovadoras em diversos setores, como:

Saúde: monitoramento de pacientes, diagnóstico precoce, desenvolvimento de novos medicamentos.

Indústria: otimização de processos, aumento da eficiência, redução de custos.

Agricultura: análise da qualidade do solo, monitoramento do crescimento das plantações, otimização do uso de recursos hídricos.

Cidades inteligentes: gestão de tráfego, iluminação pública, segurança.

Criação de novos mercados: O Mais que Moore tem o potencial de gerar novos mercados e oportunidades de negócios para empresas e startups.

Exemplos de tecnologias Mais que Moore:

Chips biométricos: para autenticação segura e reconhecimento facial.

Chips de comunicação near-field (NFC): para pagamentos móveis e controle de acesso.

Chips de inteligência artificial (IA): para reconhecimento de imagem, análise de dados e tomada de decisões autônoma.

Chips de sensores: para monitoramento ambiental, controle de qualidade e diagnóstico médico.

Evolução da utilização dos semicondutores compostos

(Compound semiconductor substrate market set to double: how are companies competing in this space?)

https://www.yolegroup.com/strategy-insights/compound-semiconductor-substrate-market-set-to-double-how-are-companies-competing-in-this-space/: Mais que Moore

Importância do Mais que Moore:

Diversificação dos avanços tecnológicos: O Mais que Moore garante que a indústria de semicondutores continue a prosperar mesmo com os desafios da Lei de Moore.

Criação de soluções inovadoras: Essa abordagem permite o desenvolvimento de soluções tecnológicas para os principais desafios da sociedade, como:

Mudanças climáticas

Envelhecimento da população

Segurança

Sustentabilidade

Aumento da competitividade: O Mais que Moore coloca as empresas na vanguarda da inovação e abre caminho para a liderança global na indústria de semicondutores.

Diferença entre as abordagens:

A principal diferença entre “More Moore” e “More Than Moore” reside no foco de cada abordagem. “More Moore” concentra-se em miniaturizar transistores e aumentar a capacidade de processamento e memória dos chips, enquanto “More Than Moore” expande as funcionalidades dos chips incorporando sensores, MEMS e outras características físico químicas. Para isso a abordagem Mais que Moore utiliza semicondutores compostos. Veja abaixo as principais diferenças das abordagens.

Tabela comparativa entre as abordagens More Moore e MtM

A maioria dos produtos que possuem dispositivos eletrônicos utiliza mais de um tipo família de semicondutores. O gráfico abaixo demonstra a distribuição das duas abordagens conforme aplicação e família.

Estratificação das famílias de semicondutores

(Overview of the Semiconductor Devices Industry 2023)

https://www.yolegroup.com/product/report/overview-of-the-semiconductor-devices-industry-2023/: Mais que Moore

A definição de qual tipo de substrato deve ser utilizado depende dos requisitos da aplicação que vai receber o semicondutor, por exemplo se é para armazenamento ou processamento de dados; se é para comunicação; se é para controlar objetos; se precisa interagir com o meio ambiente; se precisa resistir a calor ou altas tensões etc.

Abaixo apresentaremos algumas características físicas entre semicondutores de silício e outros compostos.  

Características físicas:

Tabela de características físicas dos semicondutores compostos

(Review of compound semiconductors relieving bottlenecks of incessant mosfet scaling: heroism or a race in the dark)

https://eprints.tiu.edu.iq/1390/1/96-2023-V9-I2-P2-1694938178.pdf

Aplicação conforme necessidades:

Tabela de aplicação de semicondutores de potência

(Compound Semiconductors : What Are “SiC” and “GaN”?)

https://www.semicon.sanken-ele.co.jp/en/guide/GaNSiC.html: Mais que Moore

UK – National Semiconductor Strategy

É importante ter em mente quais são as reais capacidades de um país tendo em vista o seu histórico de investimentos e a solidez da Política de Estado para o setor.

Um trabalho muito interessante foi realizado pela Secretaria de Estado para a Ciência do Reino Unido intitulado National Semiconductor Strategy. Esse trabalho contou com amplo apoio do parlamento inglês. Eles realizaram consultas públicas totalmente abertas sobre as necessidades e desafios do setor, participaram empresas, universidades, centros de pesquisa e sociedade civil. Os técnicos do governo analisaram os dados do mercado global, as capacidades do Reino Unido e as tendências futuras. Com isso os técnicos elaboraram vários relatórios que iam sendo discutidos com as partes interessadas com isso gerando aprimoramentos nas discussões. Todas as entrevistas e relatórios estão disponíveis para consulta no site do governo do Reino Unido.

Uma parte interessante desses estudos analisa as capacidades desenvolvidas nas últimas décadas no UK. Leia abaixo um trecho extraído do relatório.

“O Reino Unido possui aproximadamente 25 “fabs” em todo o país, incluindo um número de fabs baseadas em universidades em desenvolvimento em Leeds, Cardiff, Swansea e Cambridge; mas as fabs no Reino Unido não representam toda a gama de capacidade de fabricação. Em comparação com outros países, esse número pode ser considerado bastante pequeno e o volume de produção de wafers relativamente baixo em relação à demanda. Alan Banks, CEO da TechWorks, nos informou que o Reino Unido possui condições ambientais e políticas ideais para permitir a construção de fabs de semicondutores, mas é necessário o ímpeto certo e investimento externo para torná-los uma proposta viável.

Os processos de fabricação no Reino Unido geralmente remontam aos anos 1990 ou início dos anos 2000. A maioria dos equipamentos usados em fabs do Reino Unido é relativamente antiga, com legacy nodes (nós tecnológicos) superiores a 180 nm, produzindo para aplicações de nicho e usos finais especializados. Foi-nos dito que eram lucrativos, principalmente nos mercados automotivos. Nenhuma fab no Reino Unido pode produzir os semicondutores de silício mais avançados, com um “node” abaixo de 28 nm; e há poucas perspectivas imediatas de que tais instalações sejam construídas no Reino Unido, dadas as altas despesas envolvidas.

A falta de investimento na construção de instalações de semicondutores ao longo dos últimos 20 a 30 anos levou a um ecossistema de semicondutores distinto no Reino Unido, com “clusters” especializados se formando em torno de fabs que oferecem empregos, spin-offs e vínculos com a academia. Cada fab pode ter seu próprio produto final e método de fabricação, o que significa que é difícil diversificar aplicando os equipamentos de fabricação para outros fins. O volume de investimento necessário para a criação de fabs, tanto em termos de financiamento de capital quanto de tempo, e a complexidade do processo, tornam economicamente inviável mover instalações. Assim, o conhecimento e as habilidades vinculadas a uma fab provavelmente permanecerão em uma área: uma fab se torna um “centro de gravidade”, e a expertise e capacidade se tornam, nas palavras de um informante, “muito arraigadas”. Isso tem vantagens: a concentração de expertise atrai empresas que apoiam o processo de produção ou têm interesse no produto. O resultado é que “clusters” de empresas se formaram em certas áreas do Reino Unido, todas com interesse ou dependência da fabricação de semicondutores.”

(The semiconductor industry in the UK) https://committees.parliament.uk/publications/31752/documents/178214/default/

Os principais “clusters” no Reino Unido estão localizados em:

Nordeste da Inglaterra, onde há capacidade para usar tecnologias de nitreto de gálio e arsenieto de gálio para produzir chips RF (radiofrequência);

Escócia, onde há um foco em aplicações de eletrônica de potência e satélite;

Sul do País de Gales, onde está localizado um conjunto de empresas ligadas à fabricação de semicondutores compostos;

Cambridge e seus arredores, onde o “Silicon Fen” se tornou um centro para empresas de eletrônicos a partir dos anos 1990; e

Sudoeste da Inglaterra, onde há um agrupamento de empresas de fotônica e eletrônicos.

O resultado desse trabalho aparece com a geração de bilhões em negócios, milhares de empregos qualificados e coloca o Reino Unido como um dos líderes mundiais na abordagem Mais que Moore. O UK entende que mesmo não sendo possível, na atualidade, concorrer no mercado dos semicondutores “More Moore” não é possível desperdiçar a oportunidade de atuar na fatia que sobra, ou seja mais de 30% do mercado de semicondutores. Com investimentos mais modestos ainda é possível obter resultados consideráveis. A produção do Reino Unido corresponde a 0,5% da produção mundial, porém eles exportam 90% do que é produzido.

O caminho adotado pelo Reino Unido pode ser um exemplo a países que ainda não adentraram de forma mais contundente dentro dessa tecnologia. Mas alguém poderia perguntar, ainda há tempo? O gráfico abaixo demonstra quais são as perspectivas para as próximas décadas dentro dessas tecnologias.

Oportunidades:

Tendência do mercado de semicondutores

(Mapping the innovation paths of the semiconductor industry SEMICON EUROPA 2023)

https://www.semi.org/sites/semi.org/files/2023-11/14%20Pierre%20Cambou%20Yole%20NEW%20NEW.pdf

A fotografia hoje é esta. A evolução da tecnologia de semicondutores não vai parar, estando a Lei de Moore em vigor ou não. Pode-se até escolher não entrar nessa roda, porém a realidade irá se impor cada vez mais. Nos últimos 10 anos o Brasil teve um déficit de mais de 1,5 trilhões de reais no setor de eletroeletrônicos, a tendência é esse déficit aumentar ou diminuir?

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